a minha avó não aprendeu a ler nem a escrever. a sua infância foi dedicada, como a de muitos outros naquele tempo, a tratar dos irmãos mais novos e da lida da casa, andou na escola da vida e por isso, ir à escola das letras era para alguns mas não para ela. fez parte por anos a mais das estatísticas dos analfabetos, dos iliterados.
ontem dei um treino a um rapaz de 32 anos. chocou-me o seu nível de estranheza motora. não me surpreendeu, mas chocou-me a desconexão. mente e corpo desligados entre si. estava perante mim um espécimen, daqueles que não sabem usar o que vai dos cotovelos aos pés. o simples ato de puxar ou empurrar foi para ele uma mecânica desconhecida. o mesmo que a minha avó pegar num lápis há uns anos atrás.
este rapaz, inseguro nos seus gestos, inscreveu-se no ginásio para perder a barriga que diz -“tem vindo a crescer”. a minha avó resolveu, assim que pôde que ir à escola era sua prioridade, queria ler as suas cartas, perceber o que encontrava nos rótulos do supermercado.
proliferam agora ginásios é certo, na proporção de atrofiados motores que a tecnologia continua a alimentar. os que não brincaram na rua, não saltaram à corda e muito menos ao elástico. não gritaram “lá vai alho”, não aprenderam a jogar ao mata, brincam ás escondidas, mas com niknames.
sinais dos tempos, em que não há uma culpa, mas há consequências pesadas, uma faixa etária flácida, sobre dimensionada, uma geração fisicamente desinvestida, descentrada de si, com um condicionamento físico pobre, inferior à geração anterior. desabitam o corpo que têm, e existem apenas se houver um ecrã num raio de meio metro.
vejo nisto responsabilidade, dever. porque desconhecer o seu corpo não é nem é fixe, nem saudável. anular o que está do pescoço para baixo é ter meia-vida, desusar esta estrutura fantástica é viver em plegia, é como não saber ler rótulos no supermercado, é trocar uma assinatura pela cruz. é triste.
este texto tinha sido redigido em Setembro 2015 e por aqui ficou enquanto rascunho até me ter cruzado com o dito rapaz ontem, ao fim do dia. foi minha responsabilidade adequar o que eu sabia àquilo que ele seria capaz de aprender na altura. correu bem! continua a treinar, vai descobrindo o corpo que tem a arriscar a prática de novas modalidades. a barriga vai-se mantendo enquanto mais textos são lançados (curiosamente ou não) sobre o mesmo tema.
a minha avó, essa, entra hoje nos 76 com um corpo de aço. lê as suas cartas, escreve com invejável destreza motora e assina como ninguém! Parabéns Mamie…
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