já estava para escrever sobre isto há algum tempo. respirei fundo, antes e depois de pensar na melhor forma de o fazer, o que demorou alguns dias. respirar fundo para agora falar de vómitos. porque não?! purgas, das que limpam mágoas indefinidas do género: “O meu chefe é uma besta!“, “Os meus filhos nunca fazem o que mando“, ”Este trabalho não faz sentido”, “São todos uns incompetentes!” e por aí fora…interesso-me pelo comportamento humano, por isso precisava há muito de justificar para mim própria esta forma desagradável de comunicar que encontro não raras vezes na atitude de alguns, nos comentários de outros, em mim própria algures.
será que, volta e meia, é preciso limpar-se da toxicidade para não morrer envenenado? será questão de sobrevivência? “preciso de agredir alguém para não morrer de mim próprio!” e lá vai disto…do “estás sempre atrasada” até “não me ajudas em nada“, do “fazes sempre a mesma coisa” até ao “nunca posso confiar em ti“.
e para quê? acontece na maioria das vezes com quem nos está mais próximo, certo? talvez porque não aprendemos diferente, e estes tornam-se os únicos recursos para sobreviver ás exigências do chefe, do trânsito, do lar e do supermercado. nem todos tiveram a sorte de ser bafejados com assertividade na casa onde foram criados, outros não tiveram a oportunidade de crescer em contextos empáticos ou compassivos, outros porque as vicissitudes da vida fizeram desta forma de comunicar uma forma de estar, outros ainda porque sai e pronto! convenhamos, não é um tipo de comunicação que seja agradável para nenhum dos envolvidos. se há esperança?! há! assim estejamos dispostos a amenizar o impacto do Mundo na nossa pessoa e pacificarmo-nos diante da agressividade alheia e (aparentemente) injustificada.
a Comunicação Não-Violenta (CNV) captou a minha atenção há cerca de 10 anos, numa das minhas pesquisas automotivadas. depois, percebi-lhe o encanto e reconheci-lhe o poder na formação com a Wellcoaches. de lá para cá tenho assimilado e assumido esta forma de comunicar passinho a passinho, com as gentes que me rodeiam. circulo entre a prática consciente desta abordagem, e a sua divulgação em contexto de formação nas empresas onde a surpresa perante este modelo é uma constante.
a CNV é inspirada por pensadores como Gandhi e Luther King, e na escola humanista Rogeriana. foi criada pelo psicólogo Dr. Marshall Rosenberg, enquanto alternativa pacífica de diálogo que amenizasse o clima de violência com o qual conviveu. foi usada primeiramente em projetos federais do governo americano. foi proposta esta abordagem a diretores escolares, professores, profissionais de saúde, policias, mediadores, gestores de empresas, detidos e guardas prisionais, líderes religiosos, autoridades governamentais entre outros, em mais de 50 países, ao longo dos últimos 40 anos.
apesar de já não estar entre nós, o seu legado permanece e parece fazer sentido agora, mais que nunca.
este modelo de comunicação compassiva e solidária, representa uma forma de falar simultaneamente assertiva e empática. é um mecanismo de compreensão interna, sobre o que se passa connosco antes de agir, para que sejamos capazes de exprimir o que necessitamos de forma clara e eficaz. entenda-se, sem vomitar ao primeiro estímulo!
é também uma forma de compreender os outros e de reconhecer uma situação partilhada, o que facilita a harmonização das minhas necessidades com as necessidades dos outros. a minha experiência em contexto empresarial confirma a necessidade de aprender ou relembrar como falar com os outros para evitar e neutralizar conflitos, indo ao encontro de soluções benéficas para todos em que se alcançam resultados desejados.
não conheço ninguém que goste de vómitos, mas conheço muita gente que gosta de ser ouvida, compreendida, respeitada, e apoiada. por essa ordem. a CNV torna mais provável que os outros nos ouçam e nos compreendam sem se sentirem atacados ou feridos. é então possível obter mais facilmente e menos penosamente aquilo de que precisamos, ao mesmo tempo que mantemos uma boa relação com os outros. eis algumas das vantagens da prática intencional da CNV:
- entender-se melhor a si mesmo
- aceitar o outro
- permite construir relações de confiança
- melhora as relações interpessoais
- evitar conflitos e desgastes desnecessários
- melhorar ambientes profissionais e pessoais
- facilita a Gestão Emocional
- melhorar a Qualidade de vida
- aumenta a predisposição para a cooperação
- melhorar resultados pessoais, de equipa, etc
Falar em modo CNV
experimentar falar com os outros de outra forma, trata de escolher melhor as palavras, de as arrumar no meu discurso com o intuito de beneficio mútuo. não só revela domínio sobre si, como tem impactos curiosamente benéficos para todos. vejamos como funciona, em sequência:



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o que se observa?
temos tendência para “achar” sobre as situações ou sobre os outros. temos também facilidade em avaliar e julgar antes mesmo de observar os factos, antes de recolher elementos. porque gostamos de engavetar, dá menos trabalho, é aquilo que eu acho e pronto. e na maioria das vezes sem consciência que este é o primeiro entrave à comunicação saudável e eficaz. os meus pensamentos não são necessariamente a realidade dos factos. aquilo que eu acho sobre, não passa daquilo que eu acho sobre. Rosenberg afirmava que 90% do sofrimento acontece como resultado das interpretações que fazemos! por isso esta primeira fase trata de identificar aquilo que é inequívoco para todas as partes envolvidas na comunicação. por exemplo:
”Ele nunca escuta” quando queria dizer “Eu perguntei a meu colega, se ele poderia me ajudar, mas ele não respondeu”;
“Nunca consigo falar consigo” quando queria dizer “Liguei três vezes para seu escritório, mas ninguém atendeu”;
“Não sabes lidar com dinheiro” quando queria dizer dizer “Gastaste para além do que tínhamos definido“;
“Estás sempre distraído”quando queria dizer “Ontem, deixaste as pastas do projeto na mesa de reunião”.
substituir o comum “chegas sempre atrasado” com “Combinámos encontrar-nos ás 9h15, chegaste ás 9h40…” permite que as Observações não sejam ouvidas como críticas, mas como um facto que são, o que aumenta a probabilidade do outro escutar o que temos para dizer até ao fim (passando à fase seguinte)…
2. o que se sente?
ser capaz de sentir é do mais interessante que este método nos traz, e aí a porca torce o rabo! consta da identificação do sentimento gerado em mim e/ou no outro, pela circunstâncias onde nos encontramos. este mecanismo implica uma capacidade de consciência, conexão e reflexão sobre si próprio e sobre o outro, para além da capacidade para verbalizar o que provoca em mim como por exemplo “Eu sinto-me frustrado” ou “Sinto-me desiludida“.
3. o que preciso?
as críticas pessoais, rótulos e julgamentos dos outros, os seus atos de violência física, verbal ou social, são revelados como expressões trágicas de necessidades não atendidas. importa aqui mudar o foco, dos erros (nossos ou de outrem) para as necessidades de todos. com a consciência de que agimos para atender necessidades, princípios e valores básicos e universais, passamos a entender a mensagem por trás das palavras e das ações independentemente de como são comunicadas. quando as necessidades não são atendidas, sentimo-nos: assustados, confusos, deprimidos, desapontados, fracos, infelizes, nervosos, preocupados, agressivos…por exemplo:
“Não sabes mesmo cozinhar” – Quem acusa o outro desta forma revela a necessidade do conforto de uma refeição bem confecionada…
“Chegas sempre atrasado” – Quem se queixa de atrasos sistemáticos do outro tem provavelmente uma necessidade de rigor e/ou de compromisso com o que está definido, ou simplesmente de se sentir respeitado.
Se “Toda violência é a manifestação trágica de uma necessidade não atendida”, que necessidades estão por trás dos vómitos a que assistimos no trânsito, na fila do supermercado e no gabinete do chefe?
4. e agora?
os compromissos constituem a fase final deste processo e correspondem aquilo que estamos dispostos a fazer, a pedir, a sugerir perante a situação. é dar um passo para além do problema, é propor um “e agora, o que estou/estamos dispostos a fazer perante estes factos, estes sentimentos e estas necessidades?“.
o que me encanta nesta fase do processo, é que permite evitar as meias conversas altamente desprodutivas do género, depois ligo-te, logo te digo qualquer coisa, logo falamos, depois vê-se….é aqui que se encerra o acordo, a negociação subjacente. é arriscar uma solução-compromisso em vez de exigir uma qualquer tarefa. convém claro está, que sejam concretos, claros e positivos de forma a evitar qualquer equívoco. experimente:
substituir “Tens que perceber” por “Podes pf confirmar que percebeste?“
substituir “Tens que ficar até mais tarde” por “Estarias disposto a ficar até mais tarde hoje para concluir o relatório‘”
substituir “Respeitinho é muito bonito!” por “Podes pf bater à porta antes de entrar?“
se tiveres interesse em encontrar mais informação sobre a CNV, o Projeto Oxigénio divulga esta metodologia nas suas atividades regulares, e a NVC Academy tem inúmeros recursos online. fica bem!
Fontes
Rosenberg, Marshall. “Nonviolent Communication: A language of life”. 2003
Lucy Leu. “Nonviolent Communication: Companion workbook”. 2003
Rosenberg, Marshall. “Speak Peace in a world of conflict”. 2005